Centro SP em Debate: Vivian Barbour e o PIU central

Iniciamos uma série de entrevistas com empresários, comerciantes, arquitetos, engenheiros  e os mais diversos personagens que tem em comum, a verdadeira paixão pela cidade de São Paulo, principalmente a região central, que, mesmo com adversidades e problemas atinentes às grandes metrópoles, ainda nos remete a nostalgia dos bons tempos e, principalmente, pelo seu vasto e secular painel histórico de prédios, monumentos, ruas, praças e avenidas.

Vivian Barbour – foto: Daniela Toviansky

E a primeira entrevistada é a advogada, pesquisadora e consultora em urbanismo e patrimônio cultural, Vivian Barbour, também bacharela em Direito e mestra em Arquitetura e Urbanismo, ambos pela USP, membro da Association of Critical Heritage Studies.  Em 2019 publicou o livro “O patrimônio existe? Sentidos da Vila Itororó”

Qual sua relação com o centro de São Paulo?
Frequento o Centro cotidianamente desde muito pequena. O Colégio de São Bento foi minha primeira escola, do jardim de infância ao fundamental. Depois, voltei pro Centro pra estudar na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco e pra trabalhar. Além disso, sempre frequentei muitos serviços do Centro. Fazia Escola Municipal de Bailado, na época debaixo do Viaduto do Chá, por exemplo. Os centros culturais, como Centro Cultural Banco do Brasil, também sempre estiveram presentes na minha vida. O Centro como eixo de comércio e serviços, onde se encontra de tudo um pouco a preços variados e acessíveis, também sempre foi uma atração, e desde pequena já o frequentava nesse sentido com meus pais.

Qual historia mais marcante que tem com o centro?
Não consigo elencar uma história em específico. O que me traz muito apreço pelo Centro é o de ter crescido convivendo com ele, acompanhando as mudanças por que ele foi passando, construindo relações cotidianas. A relação com o Centro é uma relação longa, de encantamento e também de crise, de se encantar com sua diversidade e seu mar de possibilidades, e também de se indignar com as carcaças de prédios não ocupados, com as pessoas em vulnerabilidade, sem qualquer tipo de apoio para garantir seus direitos sociais, principalmente o da moradia digna. O Centro é esse lugar dos paradoxos, tanta oferta de serviços, tanto espaço construído, e ao mesmo tempo tanto abandono, social e material.

Qual sua opinião sobre o PIU central?
O PIU Setor Central substitui a Operação Urbana Centro, que é uma lei de 1997. Por ser anterior ao Estatuto da Cidade e aos nossos Planos Diretores, a Operação está muito defasada e de fato precisando ser repensada. Nesse sentido, o PIU é muito necessário. Por se debruçar sobre um objeto tão complexo como o é o Centro de São Paulo, o PIU Setor Central não pode ser abordado na chave simplista do “bom” ou “ruim”.

Ele acerta em alguns pontos, e se equivoca em outros, ao meu ver. Uma das primeiras questões que causa insegurança no PIU é a extensão do seu perímetro: além dos distritos Sé e República – originalmente inseridos na Operação Urbana Centro -, o PIU abrange os distritos do Brás, Pari, Bom Retiro e Santa Cecília.

O argumento para incorporar essas regiões ao PIU é o de que, apesar de centrais, elas possuem densidade construtiva e demográfica muito baixa, sendo um objetivo do PIU incentivar o adensamento. De fato, é preciso adensar as áreas próximas ao Centro, aproveitando seus serviços, equipamentos e infraestrutura. O perímetro muito extenso do Projeto, no entanto, pode colocar em risco a sua eficiência, porque dificulta proposições e análises mais direcionadas para cada caso em concreto. O PIU traz objetivos importantes para a área: além do adensamento e promoção do uso habitacional da região, traz a preservação do patrimônio cultural, a requalificação de edificações obsoletas e melhorias urbanas e viárias.

Alguns lugares de péssima qualidade urbanística, como o Parque Dom Pedro I, são abordados de modo especial para endereçar o problema de intervenções viárias de alto impacto que rasgam o território e prejudicam seu uso ao nível do pedestre. São de fato pontos importantíssimos de serem abordados mas, de novo, fica a dúvida sobre a eficiência do Projeto quando tais propostas estão inseridas num perímetro tão grande. Um outro ponto importante é a excessiva mobilização do potencial construtivo adicional como caminho para se alcançar os objetivos do Projeto. Retrofit, provisão de habitação de interesse social, preservação do patrimônio cultural, adensamento construtivo e demográfico, tudo isso é incentivado pelo PIU por meio de ofertas especiais de potencial construtivo. Do ponto de vista da sustentabilidade econômico-financeira, questionamos se esse excesso de oferta de potencial não pode resultar no exato oposto, que é a diluição das possibilidades de transformação por uma demanda menor que a oferta.

O PIU seria uma forma de melhorar?
O Centro é fruto da aplicação de diversas legislações ao longo do tempo. Isso dificulta intervenções atuais em edificações e no espaço público. São muitos os casos em que pairam dúvidas sobre as possibilidades de transformação.

Nesse sentido, é muito positiva ter uma regulação clara e transparente para o Centro, que dê conta dessas situações fruto de distintas aplicações da lei no tempo. Quando as regras são claras e objetivas, as intervenções são incentivadas porque têm maior segurança jurídica. Questionamos, no entanto, a clareza mesma do Projeto.

Por sua extensão, a atuação intersetorial, entre secretarias como a de urbanismo, licenciamento, do meio ambiente e da cultura, além do envolvimento das subprefeituras, tem de ser muito bem azeitada. Um projeto de alta complexidade demanda um desenho institucional complexo, e é muitas vezes aí que belos projetos morrem no papel: quando não conseguem efetivar a transição do previsto em lei para procedimentos claros, objetivos e transparentes. A própria Operação Urbana Centro, por exemplo, de 1997, até hoje padece de problemas na aplicação de um dos instrumentos de incentivo à preservação do patrimônio cultural edificado, que é a transferência de potencial construtivo.

Fala-se muito em trazer moradia para o centro de SP, qual a importância do comercio e serviços nessa retomada?
Comércio e serviços são essenciais para a vivacidade de um tecido urbano. Em especial, quando apresentam diversidade: do pequeno ao grande, em diferentes áreas. Comércio e serviços sozinhos, no entanto, não tem a potência da manutenção da ocupação do espaço público, em especial nos momentos em que estão fechados. A moradia é a principal forma de garantir um uso demorado, alongado, com apropriação do território em todas as suas facetas.

Porque ela acontece de modo integral, abrangendo todos os momentos do dia e todas as esferas da vida e do cotidiano. Uma boa oferta de comércio e serviços é uma das formas para se atrair moradias. E o uso habitacional tem o condão de trazer mais demanda por comércio e serviços. Assim, esses são todos aspectos indissociáveis para se pensar a melhoria da qualidade de vida urbana. Qualquer intervenção urbanística deve ter como horizonte o incentivo à habitação. Mas não qualquer forma de habitação, mas aquela que atenda uma diversidade de classes sociais e que permita usos mistos, pulsantes e dinâmicos.

Quais mudanças você acredita que devam ser feitas tanto pelo poder publico quando para a iniciativa privada afim de atrair novos investimentos?
Ao se pensar em investimentos, deve-se ter em mente uma via de mão dupla: de um lado, o poder público deve garantir um espaço claro e transparente do ponto de vista da regulação para a atuação do setor privado.

De outro lado, o setor privado deve ter uma atuação responsável, focada no impacto que gera. A legislação urbanística já prevê mecanismos de captura da mais-valia urbana – quando há valorização imobiliária fruto de investimentos públicos. Eles precisam ser fortalecidos. Além disso, os investimentos precisam ser cada vez mais contextualizados: que território é esse no qual estou investindo?

Quais as suas demandas? Quais as externalidades – positivas e negativas – que minha atividade vai gerar? Essas são questões indissociáveis do pensar em novos investimentos, porque delas depende a própria melhoria da qualidade de vida urbana, da qual também dependem os investimentos. É preciso ter essa consciência de ecossistema, em que cada parte influencia e é influenciada pelo todo. E, de forma transparente, o poder público precisa fiscalizar e garantir que os objetivos da regulação urbanística para aquela região sejam observados.

Contatos:
Vivian Barbour
LinkedIn: www.linkedin.com/in/vivian-barbour-49305658
Instagram: @por.vivianbarbour 
Fotos: Centro SP – Eli Hayasaka – @eli_hayasaka

 

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